Competição fiscal ameaça a economia mundial e a democracia

Wayne Swan

13.set.2018 (quinta-feira) - 7h09

Crise financeira de 2008 completa 10 anos

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Há dez anos, o sistema financeiro global foi abalado pela maior crise desde a Grande Depressão. Em 15 de setembro de 2008, o banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers entrou com pedido de concordata depois que seu portfólio de crédito imobiliário finalmente desmoronou sob o peso da inadimplência generalizada das hipotecas.

Esse colapso foi o quase inevitável resultado de décadas de regulamentação financeira negligente. Centenas de milhares de pessoas perderam seus empregos, suas casas e suas fontes de renda. A perda de produção nas economias avançadas nos anos seguintes foi o equivalente a apagar a economia alemã do mapa.

Felizmente, uma ação política rápida e coordenada, conduzida pelo G20, evitou com sucesso o início de uma recessão global mais profunda e prolongada. Nos 10 anos desde 2008, os reguladores recuperaram algum terreno. Lembrando que a crise deixou cicatrizes profundas em termos de produção e emprego, eles tentaram reconstruir uma arquitetura financeira global mais robusta.

Esta vitória, porém, não foi suficiente para proteger a economia mundial. Paralelamente, a maioria dos países entrou numa corrida para abaixar os impostos corporativos, com o objetivo de atrair as multinacionais.

As tendências são preocupantes, ameaçando com consequências tão duradouras quanto as da crise financeira. No fim de 2017, Donald Trump reduziu as alíquotas de impostos corporativos dos EUA de 35% para 21%, gerando recompras recordes de ações e bônus aos CEOs em detrimento do crescimento salarial para o restante da força de trabalho.

O Reino Unido está pronto para continuar com sua redução de 1 ponto percentual por ano na taxa de impostos corporativos, apesar de já ter a menor taxa do G7. O Canadá, que reduziu as taxas corporativas em um ritmo semelhante entre 2000 e 2011, está sob renovada pressão para reduzi-las ainda mais. Na Colômbia, o novo presidente quer seguir na mesma direção, como já fez Mauricio Macri na Argentina em 2017.

Como um grupo de líderes de governos, academia e sociedade civil, a Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT), da qual sou membro, está convencida de que acabar com esta corrida é uma questão de urgência global.

O imposto não é apenas o preço que pagamos por uma sociedade civilizada, a contrapartida cobrada do setor privado pela provisão de infraestrutura e uma força de trabalho de qualidade.

O imposto é também uma válvula de segurança essencial que permite aos governos democráticos restringir o poder dos leviatãs corporativos não eleitos –alguns dos quais agora possuem um patrimônio líquido maior do que o PIB de algumas economias do G20.

O movimento global para diminuir as taxas de impostos corporativos não tira apenas os recursos dos governos, mas também de uma das ferramentas políticas mais poderosas para reduzir a desigualdade e promover a redistribuição de renda.

O economista Gabriel Zucman –também membro do ICRICT– mostrou recentemente com outros colegas que 40% dos lucros das multinacionais, ou US$ 600 bilhões, são transferidos para paraísos fiscais a cada ano. Para as economias avançadas, a recuperação de sua base tributária de paraísos fiscais pode ser mais difícil, onerosa e demorada do que simplesmente reduzir as taxas principais, mas é essencial.

O pacote de reformas para o sistema tributário global conhecido como Projeto de Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros, que foi lançado há 3 anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o G20, é um passo na direção certa, mas está longe de ser suficiente.

Para a ICRICT, a abordagem mais promissora consiste em mudar a forma como os lucros tributáveis são calculados em todos os países. Concretamente, propomos redistribuir os lucros globais das empresas – e os impostos associados entre Estados usando um sistema de rateio baseado em fatores como vendas, emprego e recursos usados ​​pela empresa em cada país. Esta reforma global teria um impacto considerável em prol da justiça fiscal.

Sem respostas globais como essas, as economias podem vacilar e as democracias podem fracassar. Uma sociedade que permite que multimilionários e multinacionais detenham 10% do PIB global em paraísos fiscais alimenta o tipo de reação populista que permite o florescimento do autoritarismo. Ao tentar atrair as multinacionais com impostos cada vez mais baixos, os governos fogem de suas responsabilidades democráticas e mergulham de cabeça na próxima crise global.

https://www.poder360.com.br/opiniao/economia/competicao-fiscal-ameaca-a-economia-mundial-e-a-democracia/

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