Fortalecer a resiliência das mulheres perante os desastres naturais

Magdalena Sepúlveda, Membro da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Internacional das Empresas (ICRICT) 08 Março 2023, 00:08

No Dia Internacional da Mulher urge lembrar que os Estados devem instituir a tributação progressiva para financiar o acesso universal à uma saúde e educação de qualidade, que fortaleça a resistência das mulheres face às alterações climáticas.

Chamaram-lhe Aya. Foi esse o nome que as enfermeiras deram à bebé recém-nascida encontrada sob os escombros de um prédio de cinco andares em Jinderis, no norte da Síria. Um milagre. Ao lado dela, os socorristas encontraram a mãe, morta. Havia dado à luz acriança nas horas após o terremoto de magnitude 7,8 que atingiu a Turquia e a Síria, na noite de 6 de fevereiro de 2023. Como ela, outras 50.000 pessoas morreram na sequência do terremoto.

Embora a história, tão trágica quanto esperançosa, tenha mobilizado a imprensa, é também um lembrete de que, de acordo com as Nações Unidas, mais de 350.000 mulheres grávidas na região estão agora sem acesso a cuidados de saúde. E este é apenas um aspeto da vulnerabilidade da Mulher perante desastres naturais.

Inundações, secas, terremotos: nós não somos iguais quando se trata de desastres naturais, especialmente nos países em desenvolvimento. A história mostra que eles matam mulheres e raparigas em maior número. Por exemplo, representaram 70% das 230.000 pessoas que desapareceram durante o tsunami no Oceano Índico, em 2004. Por causa das barreiras de género, muitas vezes têm menos recursos de sobrevivência: é recorrente só os rapazes aprendem a nadar ou a ler. Isto dificulta o seu acesso a alertas precoces ou à identificação de abrigos seguros.

Além disso, é mais difícil para as mulheres escaparem do perigo, já que, regra eral, são elas as responsáveis pelas crianças, idosos e doentes. Não menos importante, o medo e o stresse no lar, combinados com a perda de rendimento devido aos desastres naturais, levam amiúde a um aumento da violência doméstica contra mulheres e meninas. Situação esta ainda mais gritante quando populações inteiras são deslocadas, deixando-as à mercê da agressão e da exploração sexual.

As mulheres também são afetadas economicamente de modo desproporcional. O Banco Mundial mostrou, por exemplo, que nas áreas rurais, o rendimento das mulheres agricultoras é mais impactado que o dos homens. Por serem responsáveis pelas tarefas domésticas, a mulheres são mais dependentes do acesso aos recursos naturais, logo, sofrem mais com a sua escassez. Ou seja, são as primeiras vítimas da insegurança alimentar: em 2020, estimava-se que 60% dos indivíduos vítimas de fome eram mulheres e raparigas, e, desde então, a diferença não parou de aumentar.

Acresce que muitas também não têm acesso às contas bancárias, o que lhes permitiria proteger suas economias. Mais. Na sequência de um desastre natural, as expectativas sociais relacionadas com o género mantêm-se. As mulheres têm que suportar a carga adicional do trabalho doméstico, o que, entre outras coisas, as impede de encontrar empregos geradores de rendimento. Hoje em dia, as mulheres gastam, em média, 3,2 vezes mais tempo no trabalho doméstico do que os homens.

A pandemia – outro desastre natural – também trouxe ao de cima a distribuição desigual do cuidado não remunerado e do trabalho doméstico, e o quanto ambos são subvalorizado e não reconhecidos. A sobrecarga de trabalho doméstico também restringe o acesso das mulheres à educação, o que é mais um obstáculo à sua entrada e progressão no mercado de trabalho, assim como à sua participação política, com sérias consequências em termos de proteção social, rendimento e pensões.

Ora, a desigualdade de género potencializa o impacto dos desastres naturais e as consequências dos desastres naturais potencializam a desigualdade de género. Um círculo vicioso inaceitável. Em particular quando o mundo enfrenta um número crescente de tragédias relacionadas com o clima, urge que os governos tomem medidas imediatas e de longo prazo para investir no acesso universal aos cuidados de saúde, água e saneamento, educação, proteção social e infraestruturas em prol da igualdade de género.

Mesmo em tempos de crise, quando os cofres do Estado estão quase vazios, existem formas equitativas de obter receitas para financiar os investimentos necessários para reforçar a resiliência das mulheres: fazer com que aqueles que lucram com as crises que assolam o planeta, incluindo desastres naturais, paguem, como recomendado pela Comissão Independente para a Reforma da Tributação Internacional das Empresas (ICRICT), da qual sou membro juntamente com Joseph Stiglitz, Jayati Ghosh e Thomas Piketty, entre muitos outros.

Ao invés de implementarem programas de austeridade com consequências devastadoras para os mais vulneráveis, os Estados podem obter mais recursos fazendo com que as multinacionais mais lucrativas e os ultra ricos pagarem a sua quota-parte.

Isto passa pela introdução de impostos sobre os superlucros das multinacionais, como vários países na Europa e na América Latina já começaram a fazer. Os números são espantosos, como no caso dos gigantes farmacêuticos, que fizeram fortuna vendendo vacinas para combater a Covid-19 e que não poderiam ter desenvolvido sem o apoio de subsídios públicos. Este também é o caso das multinacionais do setor energético ou alimentar: a Oxfam estima que os respetivos lucros tenham aumentado mais de duas vezes e meia (256%) em 2022, em comparação com a média de 2018-2021.

Pelas mesmas razões, é urgente tributar os mais ricos, que hoje quase não pagam impostos. É inadmissível que um homem como Elon Musk, uma das pessoas mais ricas da história, pague 3,3% de imposto, enquanto Aber Christine, uma vendedora de arroz no Uganda, pague 40%, como realça a Oxfam.

Uma tributação progressiva – que faça com que as pessoas mais ricas e as multinacionais paguem uma parcela justa – é uma das ferramentas mais poderosas para reduzir todos os tipos de desigualdade. Enquanto o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher, vamos lembrar que é impossível construir sociedades mais resilientes sem lutar pela igualdade de género. Continuar a ignorar este imperativo é uma escolha política e uma ameaça tão perigosa para o desenvolvimento quanto os desastres naturais.

A autora também assina este texto na qualidade de Diretora Executiva da Global Initiative for Economic, Social and Cultural Rights; de 2008 a 2014 foi Relatora da ONU sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos.

https://jornaleconomico.pt/noticias/fortalecer-a-resiliencia-das-mulheres-perante-os-desastres-naturais-1002567

Também publicado por Expansao (Angola). Veja o PDF: